segunda-feira, 30 de abril de 2012

MINHAS ANDANÇAS - DE PALMEIRA À JAGUARIAÍVA

Havia uma pequena estação de trem! Na distância podia-se enxergar a fumaceira tomando conta do ar e os ouvidos logo assimilavam o apito inconfundível e o sino tocando para avisar da chegada do trem. Imponente, a Maria Fumaça parava em frente a estação e seguia fumegante, enquanto pessoas desciam com suas malas e outras embarcavam para destinos inimagináveis.
Estação de Palmeira no final dos anos 60
Até então, eu nada sabia a respeito de paisagens ou de distâncias, a não ser a que separava minha casa da escola, na época, perto de uns sete quilômetros que a gente superava numa charrete. Mas um dia aconteceu de a gente embarcar finalmente naquele trem para uma viagem que até hoje considero como a mais longa que fiz em toda a minha vida. Saindo de Palmeira com destino à Jaguariaiva, recordo que fiquei fascinando observando todos os movimentos ao redor enquanto os homens preparavam o trem para a jornada. Partimos sentados naqueles acentos duros num vagão abarrotado de pessoas de todos os tipos, com suas sacolas, malas, sacos de viagem e muita comida que aos poucos era oferecida gentilmente a quem quer que fosse.
Pelos trilhos, a Maria Fumaça deixava seu rastro e a paisagem distante oferecia as maravilhosas obras de arte da natureza, com seus campos, rios, montanhas e fazendas onde plantações se perdiam no horizonte e onde a boiada pastava tranquila. A viagem era lenta e o dia foi dando lugar à noite até a primeira parada, onde desciam e subiam pessoas apressadas, loucas para fazer um lanche. Tão logo se retomou a viagem, veio a chuva e de cada lado, não se via mais nada a não ser uma escuridão muito densa em meio àquela incerteza da viagem. Não sei quantas foram as horas vividas naquele vagão até o destino final, mas foi cansativo apesar das cenas que se registraram em minha mente para sempre. Lá já se vão quarenta e poucos anos e é claro que a paisagem mudou, a Maria Fumaça se aposentou e a pequena e antiga estação, palco dos sonhos de tantos viajantes deixou de ser o portal das viagens para se transformar numa espécie de centro de atividades culturais.
Antiga estação de Palmeira
Aquela Palmeira que conheci menino mudou muito também, mas em minhas andanças de vida, ainda preservo na mente aquela cidade pacata, com entardeceres ensolarados e o folguedo da criançada pelas ruas com o céu azulado repleto de pipas multicores. Tinha ainda a praça com seu coreto, a igreja matriz e as procissões de fé que praticamente reuniam toda a cidade. E isto sem contar com os bares que ainda tinham na frente os paus onde os peões de boaideiro chegavam e ali amarravam seus alazões. Tudo tinha um aroma de século 19 e as estórias de boi tatá, mula sem cabeça, galo de ouro entre outras, eram passadas de uns para os outros nas rodas de conversa regadas a chimarrão, café ou até mesmo uma cachaçinha amarelinha.
Antiga estação de Jaguariaíva
Os acontecimentos eram anunciados pelo sino da igreja, mas nenhum outro som despertava tanta apreensão quanto o apito da Maria Fumaça singrando as últimas curvas para chegar à estação e despejar viajantes cansados por mais uma jornada através das paisagens de um Paraná distante, com estradas barrentas e cidadezinhas que num estalar de dedos cresceram e deixaram toda aquela magia antiga simplesmente desaparecer.

terça-feira, 24 de abril de 2012

A POESIA DE ELCIO TUIRIBEPI

Um breve poema



A não ser que amanhecesse noite
Eu poderia explicar este poema
Posto que transcrito em minh’alma
Abrigou-se um indelével sentimento
Assim feito à gentura cristalina e natural
Do sentido visceral que hoje rege com candura
A sinfonia muda e afável dos meus olhos
 
-Elcio Tuiribepi-
 
Veja mais sobre o autor em http://verseiro.blogspot.com.br/
 

segunda-feira, 9 de abril de 2012

A POESIA DE SUZANA MAFRA

PATOS
-Suzana Mafra -
O pato nada sabe do que sinto ou vejo
pescoço escondido em si mesmo

Ninguém se aborrece com o pescoço do pato
Fosse um homem a parar na beira da rua
com o pescoço dobrado e a cabeça enfurnada em si

Ninguém se aborrece com os patinhos
Ninguém se importa mesmo com os poucos patinhos dentro do cercadinho
Último vestígio do mundo selvagem


Veja mais da autora em http://borboletrasnoquintal.blogspot.com.br/

quinta-feira, 5 de abril de 2012

SEXTA-FEIRA SANTA

JESUS CRUCIFICADO

(Meditação escrita por Gibran, numa Sexta-Feira Santa)
 Hoje, e em cada Sexta-Feira Santa, a humanidade acorda de seu sono profundo e, em pé ante as sombras dos séculos, olha, através das lágrimas, o Monte do Gólgota para ver Jesus crucificado em sua cruz... Mas assim que o sol se põe, a humanidade volta a ajoelhar-se perante os ídolos que se erguem sobre todos os montes.

Hoje, guiadas pela recordação, as almas dos cristãos dirigem-se de todos os cantos do mundo às cercanias de Jerusalém para contemplar uma sombra coroada de espinhos que estende os braços até o infinito e penetra através do véu da morte, nas profundidades da vida. Mas mal as cortinas da noite tenham descido sobre o palco do dia, os cristãos voltam a deitar-se à sombra do esquecimento, embalados pela ignorância e a indolência.
Hoje, e em cada Sexta-Feira Santa, os filósofos abandonam suas grutas escuras;os pensadores, seus ermitérios frios e os poetas, seus vales quiméricos para se reunirem numa alta montanha e escutar, calados e reverentes, um jovem dizer de seus assassinos:”Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem.” Mas mal a quietude tenha silenciado os ruídos do dia, os filósofos, pensadores e poetas voltam a envolver suas almas nas mortalhas de livros gastos.
As mulheres distraídas pelo brilho da vida, apaixonadas por jóias e vestidos, saem hoje de suas casas para ver a mulher dolorida, de pé em frente à cruz, como uma árvore flexível frente às tempestades do inverno.
Os jovens e as jovens que se deixam levar pela corrente da vida sem saber aonde vão, param hoje um instante para contemplar a Madalena lavando com suas lágrimas o sangue que mancha os pés do homem erguido entre a terra e o céu. Mas quando se cansam deste espetáculo, desviam os olhos e continuam seu caminho entre risadas.
Num dia como este, todos os anos, a humanidade acorda com o despertar da primavera e chora pelos sofrimentos de Cristo; mas depois, fecha os olhos e se entrega a um sono profundo.
A humanidade é uma mulher que se deleita em se lamentar sobre os heróis dos séculos. Se fosse homem, regozijar-se-ia pela sua grandeza e suas glórias.
A humanidade vê Jesus, o Nazareno, nascendo e vivendo como um pobre, ofendido como um fraco, crucificado como um criminoso, e chora-o e lamenta-o. E é tudo o que ela faz.
Há dezenove séculos, os homens adoram a fraqueza na pessoa de Jesus, conquanto Jesus fosse um forte. Mas eles não compreendem o sentido da verdadeira força.
Jesus não viveu como um covarde, e não morreu sofrendo e queixando-se. Viveu como um revolucionário, e foi crucificado como um rebelde, e morreu como um herói.
Não era Jesus um pássaro de asas partidas, mas uma tempestade violenta que quebra, com sua força, todas as asas tortas.
Jesus não veio do além do horizonte azul para fazer da dor o símbolo da vida, mas para fazer da vida o símbolo da verdade e da liberdade.
Jesus não receou seus perseguidores e não temeu seus inimigos e não sofreu nas mãos de seus executores, mas era livre à face de todos, audacioso para com a injustiça e a tirania.Quando via tumores pútrios, puncionava-os; quando encontrava hipocresia,esmagava-a.
Jesus não desceu do mundo da luz para destruir as nossas casas e, com suas pedras, construir conventos e ermitérios.
Ele não veio para tirar os homens fortes de suas ocupações e fazer deles monges e padres;mas veio para insuflar na atmosfera deste mundo uma alma nova e forte que destrói, até às fundações, os tronos elevados sobre os crânios, e que desmantela os palácios erguidos sobre os túmulos, e derruba os ídolos impostos aos espíritos fracos dos humildes.
Jesus não veio ensinar aos homens a elevar igrejas suntuosas ao lado de casebres miseráveis e de habitações frias e escuras, mas veio para fazer do coração do homem um templo e de sua alma um altar e de sua mente um sacerdote.
Eis o que Jesus, o Nazareno, fez, e eis os princípios que pregou e pelos quais se deixou voluntariamente crucificar.Se os homens fossem mais sábios, celebrariam a data de hoje com alegria e risos e canções de vitória e de triunfo.
E tu,gigante crucificado, que olhas do alto do Gólgota as caravanas dos séculos, que ouves o barulho dos povos, que compreendes os sonhos da eternidade, tu és, sobre tua cruz manchada de sangue, mais majestoso e mais soberbo que mil reis, com mil tronos e mil reinados.
E tu és, entre a agonia e a morte, mais poderoso e mais temível que mil generais, com mil exércitos e mil troféus.
Tu és , na tua melancolia, mais alegre que a primavera com suas flores. Tu és, nas tuas dores, mais sereno que os anjos em seu paraiso. Tu és, na mão dos carrascos, mais livre que a luz do sol.
A coroa de espinhos em tua cabeça é mais formosa e mais augusta que a coroa de Buhram, e o prego na palma de tua mão é mais imponente que o cetro de Muchtary. E as gotas de sangue que correm em teus pés são mais brilhantes que as jóias de Astarté.
Perdoa, pois, a esses fracos que se lamentam sobre ti, em vez de se lamentarem sobre si mesmos; perdoa-lhes porque não sabem que venceste a morte pela morte, e deste vida aos que estão nos túmulos.


-Gibran Khalil Gibran , do Livro “As mais Belas Páginas da Literatura Árabe” – Tradução de Mansour Challita-