sexta-feira, 11 de junho de 2010

PARA UMA CERTA SOFIA DE MELO

As pessoas sensíveis Sofia de Melo Breyner Andresen (Porto, 6 de Novembro de 1919 — Lisboa, 2 de Julho de 2004) As pessoas sensíveis não são capazes De matar galinhas Porém são capazes De comer galinhas O dinheiro cheira a pobre e cheira À roupa do seu corpo Aquela roupa do seu corpo Que depois da chuva secou sobre o corpo Porque não tinham outra Porque cheira a pobre e cheira A roupa Que depois do suor não foi lavada Porque não tinham outra "Ganharás o pão com o suor do teu rosto" assim nos foi imposto e não: "Com o suor dos outros ganharás o pão" Ó vendilhões do templo Ó construtores Das grandes estátuas balofas e pesadas Ó cheios de devoção e de proveito Perdoai-lhes Senhor Porque eles sabem o que fazem Livro Sexto – 1962 –Lisboa – Livraria Morais Editora Sofia de Melo fez-se poeta já na sua infância, quando, tendo apenas três anos, a ela foi ensinada "A Nau Catrineta" de Armando Ferreira: - "Havia em minha casa uma criada, chamada Laura, de quem eu gostava muito. Era uma mulher jovem, loira, muito bonita. A Laura ensinou-me a "Nau Catrineta" porque havia um primo meu mais velho a quem tinham feito aprender um poema para dizer no Natal e ela não quis que eu ficasse atrás… Fui um fenómeno, a recitar a "Nau Catrineta", toda. Mas há mais encontros, encontros fundamentais com a poesia: a recitação da "Magnífica", nas noites de trovoada, por exemplo. Quando éramos um pouco mais velhos, tínhamos uma governanta que nessas noites queimava alecrim, acendia uma vela e rezava. Era um ambiente misto de religião e magia… E de certa forma nessas noites de temporal nasceram muitas coisas. Inclusivamente, uma certa preocupação social e humana ou a minha primeira consciência da dureza da vida dos outros, porque essa governanta dizia: «Agora andam os pescadores no mar, vamos rezar para que eles cheguem a terra» (…)."