terça-feira, 9 de abril de 2013

O BRECHÓ DO PRADO VELHO

De repente um ranger de porta... Em seguida passos arrastados como num belo dia muito distante nos tempos de minha infância. Recordo da casa velha de madeira na Rua Reinaldo Machado no Prado Velho, onde minha mãe e minha irmã às vezes iam visitar a idosa senhora que mantinha no rosto sempre um largo sorriso. O assoalho sempre era tomado pela areia que as pessoas traziam junto aos sapatos e aquele arrastar de pés incomodava, de certo modo, a dentição da gente. Portas antigas com fechaduras ainda do século dezenove, rangiam cada vez que alguém por elas passava. Talvez fossem aqueles rangidos, ecos de um passado repleto de histórias naquela casa que eu acredito, fosse quase centenária. O cheiro de naftalina tomava conta do ar. Acho que eram tantas que nem mesmo a mais forte das baratas e das traças conseguiria suportar aquele clima. Lembro que havia ao redor de uma sala enorme, centenas de cabides com roupas de todos os tipos, tanto femininas, quanto masculinas e muitas infantis. Também havia cestos de vime repletos de sapatos, todos já cansados pelo uso, mas dispostos a agasalhar outros pés para novas jornadas. 
Era sim um brechó! 
Talvez naquele final dos anos sessenta, o único que existia pela região. Simpaticamente, a idosa sorridente ia atendendo os clientes, a maioria vizinhos da região que, se não compravam nada, jogavam muita conversa fora regada a um chá aromático que espantava um pouco o cheiro da naftalina. As conversas geralmente eram sobre doenças que acometiam várias pessoas ou de outras que já tinham partido desta para melhor. Em meu universo infantil, tudo o que eu mais queria era sair logo dali para ir de encontro aos meus folguedos. Mas naqueles tempos, obedecer as ordens da mãe era questão de honra, senão depois, a cinta, o chinelo ou a vara de marmelo comiam soltos. Dessa maneira, ficava eu sentado e encolhido num canto observando a movimentação e a ladainha enquanto meus olhos também se detinham, ás vezes, nos mais variados chapéus e paletós distribuídos estrategicamente para uma possível venda. De uma das janelas da velha casa, dava para ver parte da rua, e do outro lado, casas tão antigas quanto aquela resguardavam outros tipos de vida. Havia um chalé onde um gato dormia tranquilo numa coluna lateral ao muro de pedras.
Noutra, uma senhora partia lenha no quintal enquanto o vento fazia dançar a ventoinha da chaminé do fogão à lenha. Saudades que tenho do fogão à lenha de nossa casa, com café sempre quentinho e a casa na temperatura ideal. E ali naquele pedaço de mundo, olhando pela janela, eu poderia seguir descrevendo cenas mil enquanto o tempo não passava e minha mãe aceitava mais um chá. Foram poucas as ocasiões em que vivenciei isto, mas confesso hoje, depois de tantas décadas, que ali, naquela casa velha, com suas portas a ranger, havia algo mais do que as roupas velhas de um brechó, do que o sorriso da simpática idosa, do que o aroma do chá ou ainda, daquele quadro em constante movimento, que era uma simples janela de madeira com suas venezianas verdes que, ao cair da noite, encerravam lá dentro os sonhos, as conversas e as histórias de vida daquela senhora sempre ativa e sorridente.

É quase certo que em suas noites solitárias, algumas poesias escapuliam dos bolsos daqueles paletós antigos e vinham embalar seus sonhos enquanto as paredes executavam uma estranha canção entre estalos esporádicos.    
Curitiba - 09 abril- 2013- 18h20min