quarta-feira, 29 de abril de 2009

EM QUE CARROSSEL NOS ESCONDEMOS?

Dos sonhos construímos a existência.
Das ilusões que bailam vida afora, extraímos o mais puro e transparente néctar.
E através dele, de suas misturas tão misteriosas, podemos mais tarde saborear a doçura ou o amargor de nossas escolhas. A vida pode ser um vigoroso alazão em galope constante, onde cavalgamos desenfreadamente na busca de alguma coisa que está por lá, em algum lugar dessa imensidão que nos cerca.
Mas isto pouco importa!... Começamos a cavalgar muito cedo, ainda que nem se perceba o estilo e a vontade de fazer bonito, de jamais cair do cavalo e se entregar a um instante de ridículo. Mas o que seria a conquista se não fossem nossos tombos? Como aprender mais sem cometer mais erros também? Minha vida seria apenas e tão somente uma poesia perdida entre as páginas de um volume qualquer. Mas estaria lá, aguardando olhos mais atentos para demarcaram uma leitura dinâmica. Talvez muito pouco esses olhos levassem de mim. Talvez muito pouco também, eles deixassem para minha escolha. Mas esta poesia de vida que também singra as paisagens nas patas de um alazão qualquer, às vezes ganha vida própria e tem o poder de me levar lá na frente ou me devolver bem lá para trás. A vida... essa vida que vivemos em círculos constantes é apenas um gigantesco carrossel, com seus cavalinhos entalhados e coloridos, que levam nos lombos nossos sonhos infantis, nossas ilusões adultas, nossos desejos mais secretos, nossas dúvidas mais cruéis e nossas vidas tão juntas e ao mesmo tempo tão separadas por estas cavalgadas intermináveis, onde jamais sabemos quem está na frente ou bem atrás. Esta cavalgada que parece um filme, um daqueles de jornada longa, com aventuras de todos os tipos e estilos, onde somos os personagens centrais, ainda que sejamos os mocinhos ou os bandidos. Uma aventura mágica, com trilha sonora única, digna da presença de um palhaço malabarista, capaz de tropeçar no próprio sapato e bater sua cabeça dura com a cabeça de pau de um desses cavalos inertes, mas incrivelmente cheio de vida. A trilha segue, ilustrada por nossos gritos, nossas risadas, nossos acenos felizes, nossa esperança incrustada naqueles entalhes onde o artista dedicou horas a fio para obter um resultado todo especial.
O carrossel é arte pura e através dele, seguimos em frente, num círculo que nos faz lembrar a Terra girando ao redor do Sol e nos obrigando a mudar de estações, porque a viagem é longa e as flores estão sempre à nossa espera. Vamos a elas como abelhas serviçais, carregando o néctar para fabricar aquela transparência que há muito perdemos e cujo brilho, apagamos com nossas mãos imundas e nossos pensamentos insanos. Aquele cristal único que decidimos lixar com nossa ignorância e assim, criar uma opacidade cruel, que esconde de nós mesmos a verdade mais tênue e que nos obriga a seguir em círculos numa busca ansiosa por nosso próprio caráter. E onde havemos de estar senão apenas e tão somente em nosso magnífico carrossel?
( Pedro Brasil Júnior )
São José dos Pinhais, 29/04/2009 - *Publicado originalmente na Usina de Letras.

terça-feira, 14 de abril de 2009

CÚMPLICES

Fixei meus olhos na folha branca de papel.
Branca e pura!
Clamei por palavras...mas nenhuma me ouviu!
Gritei por versos simples!
E permaneci enroscado em invisíveis estrofes.
Que fazer? Perguntei-me...
Respirei fundo, olhei pela fresta da janela... Só havia as luzes das ruas rabiscando a escuridão. Mas havia o silêncio...tão profundo que, quase o toquei!
Então acendi um cigarro e fiquei contemplando argolas de fumaça.
Uma por uma foram subindo em direção à lâmpada, juntando-se em interessantes elos. Dissipando-se depois da idéia... Idéia! Finalmente uma! E crivei dois pontinhos naquela folha, agora, já não tão pura assim.
Opostos naquele retângulo ficaram como eu, esperando por alguma coisa.
Então, os liguei, lembrando daqueles exercícios de ligar pontos. Não vi figura alguma!
Mas ... não é que inventei uma linha? Justo eu que nada entendo de geometria?
Bem; agora que já tinha uma linha, podia inventar qualquer palavra, qualquer frase, qualquer estória...
Agora, palavra inventada, éramos, a folha alva, a escuridão e o silêncio, cúmplices de uma emoção: acabara de nascer mais uma parte do meu ser !
(Pedro Brasil Júnior)
*Publicado originalmente na Usina de Letras -