sexta-feira, 7 de agosto de 2020

UM LIVRO ESQUECIDO

Um dia, acidentalmente, esqueci um livro no balcão de uma lanchonete. Voltei ao local, mas o exemplar já havia partido com alguém. Bem; apesar da tristeza pela perda acabei, de certo modo contente por saber que alguém iria ler aquela obra. Ou talvez nem fosse ler, porque muita gente sabe “catar” coisas perdidas ou esquecidas para jogar em algum canto.

Os anos passaram, vieram outros livros, outras histórias e aventuras e grandes nomes da literatura que me ajudaram a aprender muito mais. Depois alguém inventou um interessante projeto do livro esquecido propositalmente, de maneira a incentivar a leitura. De alguma maneira o projeto até funcionou e deve ainda estar conquistando alguns leitores por ai.

Esses dias, depois de tanto tempo, decidi dar uma volta pelo centro de Curitiba com a pura visão de um turista, fotografando alguns lugares tão comuns de minha passagem ao longo dos anos e eis que de repente me deparo com a cena: um verdadeiro livro esquecido no banco da praça.

Não era um livro de papel em brochura e com capa grossa, colorida, chamativo a qualquer passante. Era um livro vivo, com incontáveis páginas repletas de passagens maravilhosas, tristes, angustiantes, sofridas, saudosistas e por ai afora...

Lá estava naquele meio de tarde o homem sentado em sua solidão dividida com os pombos que habitam a praça e ficam à espreita de alguém que derrube do pacote algumas pipocas.

Ali estava com ele e em sua figura uma verdadeira obra, o livro de sua vida, esquecido naquele banco, mas sem permitir que alguém o apanhasse para esmiuçar suas verdades, suas crises, suas dores, seus malabarismos para quem sabe manter uma família e até mesmo as poucas alegrias que possa ter tido lá na juventude.

Um livro velho e esquecido no banco da praça, muito longe de uma campanha , tão distante de todos os olhares que atravessam a praça.

É a lente e os olhos que observam o instante e o captam para sempre. Lá ficou o livro esquecido enquanto a tarde se esvaia. Lá ficaram com ele seus segredos, seus sonhos, seus desejos e suas decepções. E lá fui eu adiante divagando sobre esses livros vivos que atravessam as ruas e as praças, empastados, empacotados, apressados, correndo contra o tempo para chegar a uma estação que nunca aparece.

Somos sim livros que se movem e cujo teor escrevemos um pouco todos os dias, mas o tempo que é implacável em sua passagem é quem dirá, a cada um de nós, se iremos ocupar aquele espaço especial na estante ou ficar esquecido para sempre num desses bancos frios que pouco se importa se a tarde se esvai, se a noite cai e se o amanhecer trará um sol resplandescente uma uma chuva torrente. (Pedro Brasil Jr – 07/08/2017)


segunda-feira, 3 de agosto de 2020

DA TRAGÉDIA DE SER UM ANIMAL RACIONAL

Sou de um tempo quando, na Sexta-Feira Santa as pessoas ficavam reclusas em suas casas, na maior parte do tempo em silêncio e nem o rádio se ligava. Era um verdadeiro culto pela dor alheia, neste caso, pelo sofrimento do Cristo.
A Sexta-Feira Maior, como diziam os antigos, era um dia tão sagrado e santo que, acreditem; os ovos botados por galinhas naquele dia, se guardados fossem, em pouco tempo secavam o seu interior. Minha mãe tinha em casa alguns exemplares desses ovos e até hoje nunca consegui encontrar uma explicação científica para o fato. Ao que presumo, mais do que nunca, o poder do sagrado.
Então os anos foram avançando e os sentimentos mais profundos do ser humano se volatizaram e eis que, neste limiar do Século 21 no encontramos “mais ou menos isolados” pela pandemia, mas acima de tudo, e deixe a pandemia de lado, isolados pelos valores tão sublimes de outrora.
Adentramos num mundo ainda mais violento e segmentado por um ódio jamais visto e jamais praticado por tantos. Nunca e em tempo algum, se presenciou na civilização algo tão inusitado, que só se compara à selvageria daqueles tempos em que os homens ainda eram apenas e tão somente animais sangrentos.
Mas trocadas as gerações, a genética tem demonstrado que certos códigos passam de pai para filho e, sem os devidos cuidados, esses novos indivíduos ressurgem de uma espécie de treva para dissimular o ódio, a violência e saborear com deleite o gosto do sangue.

Nestes dias incrédulos que vivemos, com mais de mil óbitos diários em nossa terra por conta do vírus, presenciamos também um grande descaso por parte de uma legião que não está nem ai para a doença. Fruto do descaso que vem do alto poder, essa gente se diverte com a morte alheia e seguem sorridentes como se fosse uma legião de capetas descontrolados.
Então minha gente, num repente um acidente de proporções enormes e até desnecessário, e digo isto porque faltou à vigilância e as devidas ações, nos apresenta vítimas que ali na estrada ficaram, de certa maneira, expostas aos olhos alheios que com seus celulares filmaram e fotografaram com o simples intuito de mandar para frente as cenas horríveis da dor do outro.
Perdeu-se o respeito, o bom senso e a humanidade. Sorver o sangue alheio como um bando de vampiros que vivem na obscuridade e que desejam massificar esta dor do outro de toda maneira, sem um mínimo de consciência.
Quando eu ou outra pessoa surge falando em bom senso, em humanismo, em equidade, os outros já apanham seus tacapes e investem contra nosso pensamento e vontade de fazer um mundo melhor e mais justo.
Tivemos sim uma tragédia com muitas vítimas fatais e é certo que nesse instante temos outras “gentes” derrubando lágrimas pela dor da irreparável perda. Foi-se com os que perderam suas vidas de forma tão gratuita, os sonhos de toda uma vida e aqui deixam seus tesouros de gente querida que sempre os rodearam e que agora seguirão suas existências carregando o pesado fardo da dor.
Quando se deveria respeitar o cenário de dor e tragédia, legiões de corvos surgiram entre a fumaça para saciar sua sede de dor e de sangue, verdadeiros vampiros masoquistas que nesse instante estão à solta por ai enaltecendo a dor alheia.
E eu lhes digo sem pestanejar: O Cristo foi parar na Cruz não para salvar os homens. Ele foi para a Cruz, virou símbolo e dali regressou ao Pai apenas para lhe dizer que a raça humana é o pior dos animais que habita esta Terra. Acreditem; o Cristo que tantos aguardam retornar, certamente que já passou por aqui inúmeras vezes e, observando nossa medíocre evolução, voltou para casa antes de ganhar uma vez mais uma coroa de espinhos, as chibatadas de praxe e aqueles enormes pregos em seu frágil corpo.
O Cristo pede ainda ao Pai que nos perdoe, mas não porque “não sabemos o que fazemos”, mas porque temos ciência do que fazemos ao outro e consequentemente a Nós mesmos.

 - Pedro Brasil Jr – 03/08/2020