sábado, 13 de novembro de 2010

HISTÓRIA DE UM CERTO LIVRO DE LEITURAS

Meu primeiro dia na escola foi por certo uma incrível aventura. Na verdade, àquela altura, eu já estava de certo modo na escola fazia algum tempo. Primeira professora, minha irmã Marina, sempre envolvida com seus livros, revistas e recortes sem fim. Esse convívio evidentemente me deu gosto também pelos livros, revistas e alguns recortes bem tortos. Mas o fato é que minha ida para a escola foi apenas a aventura do caminho, porque eu já sabia ler e escrever um pouco. O caminho sim, aquele estradão empoeirado praticamente cercado de eucaliptos em sua extensão por onde a charrete era puxada pelo cavalo. Foram tantas idas e vindas... Mas e escola estava lá com sua aparente imponência e aquela criançada em centenas, coisa que eu até então não tinha nunca visto. De guarda-pó branco e com óculos para corrigir um desvio na visão, se fosse hoje, acho que eu seria um autêntico Nerd. A primeira professora da escola, Aydêe Cherobim Comin e o primeiro professor, Reinaldo Lourenço. Foi com eles que meu aprendizado seguiu, entre cadernos, cartilha, livros e folguedos de recreio. O tempo se foi...O Grupo Escolar General David Carneiro ficou para trás, assim como muitas lembranças de uma Palmeira praticamente ainda, na época, um pedaço do Brasil Império. Mas se as lembranças vão para a mente e o coração, o meu livro de leitura, Alvorada, o primeiro, ficou bem guardado por aqui. Simples e com textos bem selecionados, o livro de leitura e interpretação de textos de então era algo fantástico e simples pra mim. Recordo que a ordem da professora era que só se poderia ler os textos na medida em que as aulas sobre os mesmos avançassem. Me daria muito mal, mas...em dois dias li tudinho! O interessante hoje, é que o meu livro continua com a mesma capa plastificada que minha irmã se encarregou de fazer na época e com seus recortes, ainda está lá a figura de um menino e seu cãozinho. O garoto segura alguns jornais e talvez a sugestão tenha sido um tanto oportuna ou visionária. Não nego minha paixão pelos cães e muito menos pelos jornais.... Quando partimos naquele 1965, uma vida pacata e tranqüila ficaria para trás e abrir-se-ia um novo tempo, com nova escola, novos amigos e novas surpresas... Não foi pra menos que em minha caderneta e neste livro, o professor Reinaldo fez questão de grifar algumas palavras. Como se observa, não se trata de mais um livro de estudos, mas sim de um livro que diz tudo, desde sua capa criada pela sensibilidade de minha irmã, passando pelo seu conteúdo que reúne nomes hoje, a maioria desconhecidos mas acima de tudo, pela sua fiel companhia ao longo desses 45 anos onde minha aventura de vida sempre foi esplêndida. Preservo a obra por se tratar do meu “diário de bordo” nessa aventura de vida, de aprendizado, de escritos que me surpreendem, de imagens gravadas na alma, de pessoas inesquecíveis e de sonhos que ainda latejam nos confins do meu âmago. O estradão de outrora ainda me faz parar no tempo para recordar as idas e vindas, inclusive uma das quais a pé, pelo meio do estradão, porque nas beiradas, as cobras ficavam à espreita e ainda que com o coração pulando, com os ouvidos recebendo o chacoalhar do guizo de uma cascavel, lá me fui, heróico menino no que foi, com toda certeza a primeira aventura de coragem, para desespero de minha mãe e claro, um certo orgulho de meu pai. Divido assim com estas palavras este relato de uma passagem que simplesmente envolve um livro antigo de estudos, que preserva em suas páginas amareladas aqueles textos e poesias de gente que viveu suas aventuras também e que com elas ou através delas, ajudaram a abrir alguns caminhos por onde pude seguir sempre ao encontro das palavras, neste imenso quebra-cabeça de frases soltas que ao final, produzem uma nova história de existir. A seguir, reproduzo um dos textos contidos no meu livro. Cena da roça O sol descamba orgulhoso, Por trás do cerro altaneiro... Ouve-se, ao longe, o tropeiro Soltar um canto saudoso. Um cão de pelo lustroso Fareja, alegre, ligeiro, O dono, um moço trigueiro, Que anda a caçar, descuidoso. Da horta, abrindo a cancela, Surge o bom velho, sorrindo, Ao ver a neta à janela. O dia à noite se unindo... À luz do sol, uma estrela... Que quadro aquele tão lindo! Julieta de Mello Monteiro (1863-1928)
Escritora e editora, natural de Porto Alegre (RS). Fundou o periódico “O Corymbo”, primeiro da imprensa feminina no sul do país, em 1885. Além de colaborar para outros periódicos, escreveu poesias e contos, e criou ainda, a revista A Violeta. Pertenceu a Sociedade Paternon Literário.

3 comentários:

nenemritinha disse...

Amei a sua história de infância! Emocionei-me, pois me fez recordar a minha também. Cheiros, Rita de Cássia.

INAMAR disse...

Mano,alguém disse :
"Lembra quem tem memória,não esquece quem tem coração ."
Obrigada ,pois vc me iniciou na profissão que mais tarde abracei de corpo ,alma e fé.E como podemos ler bem além dos livros,hoje você tem sido meu Mestre com carinho...
Obrigada ,sua sempre aprendiz,
Marina,mais mana que Marina.Bjks.

MÓNICA disse...

Adorei este seu texto!
Gosto muito a sua maneira poética de escrever.
Um beijinho, do outro lado do Atlântico.