sexta-feira, 13 de novembro de 2020

DECIFRANDO CARTEIRAS

Acredito que o termo correto fosse “mobiliário escolar”, mas desde o primeiro dia na escola o nome era “carteira escolar” e a ordem era explícita: Não pode riscar a carteira!

Foi numa dessas carteiras que jamais consegui enfiar no bolso que dei os primeiros passos rumo ao conhecimento. Algumas dessas carteiras eram próprias para duplas de alunos, mas descobriram que em dois era mais fácil colar durante as provas. Então elas passaram a ser individuais e assim, aquele tampo onde não era permitido riscar era, ao longo do ano e devido aos três turnos escolares, transformado numa espécie de “rede social” de tempos idos.

Eu juro que gostaria de ter guardado a sete chaves uma dessas carteiras onde fiz bom uso e é claro; também deixei minhas marcas em interessantes rabiscos, porque ela continha ali um verdadeiro hieróglifo que só descendentes ao acaso de um tal de Champollion seriam capazes de decifrar assim como fez o famoso francês que decifrou a Pedra de Roseta.

Naquele tampo havia pedaços de tabuada e outras colas providenciais além é claro, de algumas declarações oriundas das primeiras descobertas a respeito do amor. Também havia desenhos variados que misturados ao longo do tempo, em alguns casos, lembravam códigos da passagem de vorazes aprendizes.

As carteiras enfileiradas na sala de aula muitas vezes lembravam os avanços dos peões num jogo de xadrez. Dependendo dos movimentos que alguns faziam no recinto a professora providencialmente os trocava de lugar. Assim, em várias carteiras ficaram as marcas de um bom numero de rebeldes e faladores, inclusive as desse escriba cuja caderneta de recado aos pais volta e meia era preenchida a fim de que, em casa, a gente ganhasse o devido corretivo. Por muito pouco escapei de ser um sósia do Mickey Mouse, mas se escapei das orelhas enormes do ratinho famoso, fiquei mais próximo do Gargamel, aquele caçador de Smurfs.

Carteiras escolares na verdade foram, cada uma há seu tempo, barquinhos sólidos nos quais a gente passou a navegar pelos mares do conhecimento. Muitos se tornaram eternos grumetes e outros chegaram a almirante ou comodoro. Como adoro lembrar aqueles tempos onde, de guarda-pó branco não éramos simples alunos; tínhamos um pouco de enfermeiros das palavras que nós mesmos feriamos com escrita ou pronuncia errada. Pena que naqueles tempos não nos permitiam saber uma verdade incontestável: é errando que se aprende. Eram tempos em que tínhamos a obrigação de apenas acertar, de aprender na marra, de copiar cem vezes no caderno frases do tipo “eu sou capaz de aprender”, numa espécie de manivela que faria o cérebro pegar no tranco.

Tudo passou – a escola, as carteiras, os amores platônicos, a cartilha, o livreto com a tabuada, os livros, os cadernos, a régua, a borracha, os lápis, canetas e os folguedos da hora do recreio, não sem antes provar uma deliciosa sopa ou chocolate quente e também mingau de aveia.

Viriam tempos depois outras carteiras – agora possíveis de carregar no bolso – a identidade, a habilitação, a do trabalho  e carteira apropriada para se carregar o que sempre é mais difícil conseguir: o dinheiro!


- Pedro Brasil Júnior – 13/11/20 -

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